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Liliana Oliveira

Regional 29.06.2022 13H27

Operação Nariz Vermelho. A arte de fazer sorrir é um trabalho muito sério

Escrito por Liliana Oliveira
Doutor Toni e Doutora Marisol arrancam sorrisos às crianças da pediatria do Hospital de Braga, todas as terças-feiras. 
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Sem nariz vermelho são Inês Mariana Moitas e Luís Almeida, mas a bata branca dá vida à Doutora Marisol e ao Doutor Toni. Todas as terças-feiras, estes atores rumam a Braga para receitar alegria às crianças hospitalizadas.

Por isso mesmo, na ala de pediatria e neonatologia, este é o dia preferido da semana.

“Há crianças tristes por terem alta à terça ou por serem internadas à quarta-feira”, revelou uma enfermeira do serviço.


Passaram 20 anos desde que nasceu a Operação Nariz Vermelho (ONV), com três doutores palhaços a levar alegria a três hospitais de Lisboa. Agora, são 17 as unidades hospitalares que recebem estas visitas e 33 estes especialistas em palhaçadas. Em Braga, a caminhada começou há dez anos.



 “Ser palhaço no contexto hospitalar é diferente de ser palhaço fora do hospital”


A dinâmica é semelhante. Às terças-feiras, Inês e Luís apanham o comboio para Braga. Quando chegam ao Hospital trocam de roupa e de personalidade. Usam um vestuário para a transformação em doutores palhaços, personagem que só assumem quando metem o nariz vermelho.

Pouco depois das 10h00 saíram da sala já em personagem. A partir daqui a magia acontece na ala pediátrica.

Luís Almeida é doutor palhaço há três anos e Inês Mariana Moitas há cinco. A arte de fazer rir é um assunto muito sério. Com curso superior de estudos teatrais, estes atores passam por diversas formações, porque “ser palhaço no contexto hospitalar é diferente de ser palhaço fora do hospital”.

“Treinados para lidar com o imprevisto”, estes doutores palhaços encontram um cenário e uma receção diferente em cada recanto.


“Todos temos a mesma linha para o mesmo tipo de canções, mas este é sempre um sítio de vulnerabilidade e nós trabalhamos com essa humanidade, porque somos especialistas na arte de brincar”, explicou Inês Mariana Moitas.

A criança é sempre respeitada. “Se não querem nós saímos, mas, às vezes, brincamos com isso e eles acabam por nos querer”, acrescentou.  A verdade é que quase sempre são bem recebidos, algumas das crianças até se deslocam para o corredor para ver ao longe o espetáculo destes dois doutores da alegria.



“Nunca tinha visto e foi engraçado, fazem um bom trabalho”


A primeira paragem destes doutores é num gabinete, onde os aguarda uma enfermeira, com as informações sobre os doentes: a idade, o tempo de internamento e o respetivo quarto ou cama. No seu pequeno bloco, o doutor Toni regista as crianças que, por motivos de saúde, não podem ser visitadas.


A partir daqui começa a ronda. A primeira paragem é a cama 24. Leandro Cerqueira, de 16 anos, caiu da bicicleta e rompeu os ligamentos e tendões da perna. Está internado há uma semana. Natural de Vila Verde, este jovem considera que é importante “fazer as pessoas rir”. “Nunca tinha visto e foi engraçado, fazem um bom trabalho”, afirmou. Se Leandro não conhecia o trabalho da Operação Nariz Vermelho, a mãe, Daniela Gomes, já tinha encontrado outros doutores no IPO do Porto. “Estou agradecida mesmo, porque não só animam as crianças como nos fazem rir a nós, pais. Fazem um trabalho extraordinário”, referiu.


Entre as muitas histórias que envolvem os doentes, há diagnósticos com os quais não é fácil lidar.

“Lidamos com situações emocionalmente mais fortes e tem que haver separação. A técnica acaba por nos safar, mas, às vezes, depois de sairmos, acontece de nos emocionarmos com algumas histórias”, revelaram o doutor Toni e a doutora Marisol.

Inês Moitas acredita que “talvez as crianças vejam no palhaço esse ponto de fuga da doença” e, por isso, a terça-feira é sempre um dia aguardado com muito entusiasmo.

Estes doutores não prescrevem medicamentos, mas têm a fórmula da alegria.



“Só quem está aqui é que sabe que estes sorrisos são fantásticos"


Voltamos à ronda. Desta vez, os doutores vão conhecer Nara Azevedo, de 11 anos, que tem uma inflação no olho está internada desde sábado. Ontem, foi uma das crianças a quem Toni e Marisol mais gargalhadas arrancaram. “Achei divertido quando o Doutor Toni colocou a Doutora Marisol dentro da casa de banho. Acho que estes momentos são necessários, porque estamos aqui fechados”, revelou a menina, natural de Braga. A mãe, Manuela Pinto, ajuda várias vezes esta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS). “Só quem está aqui é que sabe que estes sorrisos são fantásticos, porque estar aqui não é fácil. É pena só ser um dia, mas entende-se que a parte logística e financeira não é fácil”, explicou.

A Operação Nariz Vermelho sobrevive exclusivamente de autofinanciamento, não tendo qualquer apoio estatal. Conseguem financiamento através de três fontes: consignação do IRS, através do NIF 506 133 729, doadores regulares e venda de merchandising.


Rir melhora o ritmo cardíaco, diminui a dor e está cientificamente provado que é uma prescrição com impacto clínico positivo. “É benéfico. Há estudos da Escola de Psicologia que comprovam isso”, referiu Almerinda Barroso Pereira, responsável pelo serviço no Hospital de Braga.

A médica revelou ainda que às terças-feiras “ o serviço fica mais leve, porque há mais convívio com as famílias e é um dia diferente”.


Com a pandemia, doutores palhaços ficam à distância de um clique


A pandemia da Covid-19 mudou as rotinas, mas não impediu a visita dos doutores palhaços, ainda que esta passasse a estar à distância de um clique. Chamaram à iniciativa Palhaços na Linha.

Auxiliares, enfermeiros e médicos do Hospital de Braga foram as pernas destes doutores e, com a ajuda de um equipamento informático, os atores conseguiam interagir com as crianças. “Foi também uma oportunidade para quebrar o isolamento”, explicou Almerinda Barroso Pereira. A ajuda foi digna do prémio “Belas pernas”, da Operação Nariz Vermelho.


“Manter esta ligação foi todo um processo, mas durante dois anos conseguimos manter a relação com as crianças”, explicou Luís Almeida. Inês Mariana Moitas admite que “foi muito difícil estar em casa sozinha”, porque faltava o olhar. “Foi um regresso ainda mais forte e aprendemos muito. Por exemplo, percebemos que é possível fazer estas coisas à distância, embora não tenha o mesmo impacto”, acrescentou.

A verdade é que a ONV se prepara para avançar com um projeto-piloto num hospital na região de Lisboa, baseado na experiência do Palhaços na Linha.


Hospital de Guimarães ambiciona receber visitas


Segundo a Instituição há muitos hospitais que ambicionam integrar a lista dos 17 que já recebem estas visitas, Guimarães é um deles. No entanto, a Operação Nariz Vermelho só avança com as visitas quando há sustentabilidade para manter a colaboração durante, pelo menos, três anos. Por isso, há autarquias que apoiam a ONV para que as visitas avancem no hospital da região. É o caso de Lisboa e Cascais, nenhuma no Norte.

Os doutores palhaços realizam anualmente 53 mil encontros, em 100 serviços de pediatria, porque, afinal, rir é mesmo o melhor remédio.

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