Regional 12.01.2019 11H33
Fruta Feia: perfeita imperfeição
Gente bonita come alimentos (im)perfeitos da Fruta Feia, a cooperativa que combate o desperdício alimentar. Chegaram a Braga em Maio de 2018 e salvam, semanalmente, na zona Norte, 4 toneladas de alimentos.
“Hoje temos alface, grelos, nabos, batatas, maçãs, limões, laranjas e kiwis”. A descrição de Maria Eugénia Loureiro quase parece uma lista de supermercado. E até podia ser, se não estivéssemos a falar do projecto Fruta Feia.
O portão da Junta de Freguesia de Ferreiros abre-se todas as quintas-feiras e o espaço transforma-se numa perfeita hora, com todas as frutas e legumes imperfeitos que não têm lugar nas grandes superfícies, mas que são aproveitados pela cooperativa e vendidos a preços apetecíveis.
A RUM chegou a esta horta improvisada ainda as voluntárias alinhavam as cestas no chão e colocavam os últimos alimentos nos cabazes. De sorriso no rosto, Maria Eugénia comentava: “Já viu as cores destas laranjas? Provei uma há pouco e não imagina como era doce. Prove, prove”.
As laranjas de que Maria Eugénia fala foram recolhidas na mesma manhã, nos produtores da cidade que fazem parte do projecto.
Do outro lado tínhamos Inês Gomes, colaboradora da Fruta Feia, que nos explicava que o conteúdo do cabaz depende sempre da época em que estamos. “Agora, temos mais citrinos”, disse.
As limas dos cestos eram mais amarelas do que verdes e maiores do que o que era suposto. Embora tivessem vindo exactamente das mesmas sementes, da mesma colheita e do mesmo produtor, não eram pequeninas, redondinhas e verdes e, por isso, não tinham lugar nos grandes supermercados. Mas têm lugar na fruteira da voluntária Maria Eugénia, que se apressou a pegar no seu cabaz, mesmo antes de as portas se abrirem, uma vantagem a troco do seu trabalho.
“Têm muita qualidade”, assegurou antes de sair.
Os ponteiros do relógio marcam 17h em ponto. As portas abrem-se para uma sala, no edifício da Junta, onde as cestas se alinham. Desde então, não param de chegar associados. Na primeira ronda entram várias mulheres de saco na mão. A fila forma-se junto de Inês Gomes para darem o nome, pagar a cesta da semana e escolher uma das que se encontram ali mesmo ao lado. Crianças e adultos, mais velhos e mais novos, homens e mulheres, todos vêm às compras. A pequena Letícia entra de mão dada com a mãe, gosta de morangos mas hoje só há maçãs, laranjas e kiwis.
Carla Grilo vem sozinha. Já é associada da Fruta Feia desde o início.
“A fruta é muito mais saborosa. Os legumes são muito melhores, apesar de serem mais feios são muito mais naturais”, comentou já com o saco cheio e pronta para sair.
O cesto de Carla não dura mais do que três dias lá em casa. Pouco mais dura o de Rosalina Pereira, que não troca “o sabor”. Juntou-se à Fruta Feia em Dezembro de 2018 e diz que a fruta e os legumes para serem bons têm que ter “marca de bicho”. Estes, garante, têm “muita qualidade”. “Provei uns kiwis, digo-lhe, eram deliciosos”, recordou.
Gisela e Cristina chegam quase ao mesmo tempo, uma vem de Braga a outra de Guimarães. Pela primeira vez, levam para casa as frutas feias, que não têm lugar nas grandes superfícies. Todos procuram a melhor cesta. Há duas opções: a cesta pequena, de 3 ou 4 quilos que custa 3 euros, e a grande, com o dobro do peso que custa 7 euros.
Agora, todas as semanas Gisela e Cristina têm à sua espera um cabaz de fruta feia. Em caso de imprevisto podem tentar vendê-lo, mas se não avisarem os cestos a si destinados terão que ser pagos embora sejam doados a quem mais precisa. Porque aqui há mesmo combate ao desperdício alimentar e a fruta além de feia é solidária.
Para levar o cabaz, explica Inês, é preciso ser-se associado e isso implica o pagamento de uma quota anual de 5 euros.
Voltamos ao trabalho antes das portas se abrirem. O dia começa bem cedo. Pelas 9h, descreveu a colaboradora, inicia-se a rota pelos produtores, que valorizam o projecto porque lhes dá dinheiro por frutas e legumes que tinham como fim a compostagem ou o lixo.
“O objectivo é salvar estas frutas e legumes que têm defeitos estéticos. Estes produtos são desperdiçados porque não têm o calibre , o formato ou a cor desejados. Hoje, temos limas que estão mais para o amarelo, mas a qualidade é a mesma”, exemplificou Inês.
A Fruta Feia conta desde 2013 com 11 delegações, quatro na zona Norte e uma delas em Braga, desde Maio de 2018.
Voltando ao ponto onde tínhamos ficado na viagem. A rota pelos produtores. Depois de percorridos os vários locais, é hora da equipa se dirigir para cada posto de venda.
Depois, entram em cena os voluntários. São cerca de 100. Semalmente, em Braga, colaboram mais ou menos seis. Nunca mais do que dez. Ajudam a “pôr as cestas direitinhas”. “Trazem aqui na camioneta, colocamos aqui dentro e depois começamos a distribuir”, descreveu Maria Eugénia Loureiro, natural de Ferreiros, que todas as semanas ajuda nas tarefas. “Pelo convívio e pela cor destas frutas, já viu como são lindas? Até faz bem aos olhos”, comentou esboçando um sorriso.
A Fruta Feia salva todas as semanas cerca de 12 toneladas de alimentos, 4 delas na zona norte. Desde 2013, já foram salvas 1300 toneladas.
Os números dizem que, todos os anos, em Portugal, são atirados para o lixo cerca de um milhão de toneladas de alimentos. Na União Europeia, falamos de 88 milhões e no mundo são 1,3 mil milhões de toneladas. Diz a agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) que 52% do desperdício alimentar é culpa dos consumidores e 23% dos produtores, a indústria transformadora é responsável por 17% e a distribuição por 9%.
O futuro passa por “aumentar o número de delegações”, garante Inês Gomes.
Mas antes que o futuro chegue é preciso “consciencializar as pessoas” e acabar com o estereótipo de que fruta feia não tem qualidade. Em Braga, mais de uma centena de pessoas já se associou a esta causa.
Na horta improvisada da Junta de Freguesia de Ferreiros, a fruta não tem brilho e até tem formatos estranhos. Mas não tem químicos.
Antes que as portas se fechem por mais uma semana ouvimos sempre um “até para a semana. Não se esqueça de trazer o saco!”
Na Fruta Feia não comemos com os olhos, mas sentimos o sabor da missão de acabar com o desperdício alimentar.
As portas abrem-se todas as quintas-feiras, entre as 17 e as 21 horas, na Junta de Freguesia de Ferreiros, porque, afinal, “gente bonita come fruta feia”.