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Liliana Oliveira

Academia 06.09.2019 08H20

Na Aldeia Feliz os médicos receitam o combate à solidão

Escrito por Liliana Oliveira
6.ª edição do projecto dos alunos de Medicina chega ao fim esta sexta-feira. A RUM acompanhou algumas das consultas ao domicílio. 
Idosos e Voluntários do projecto Aldeia Feliz

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Pouco passava das 9h30 quando os estudantes de Medicina da Universidade do Minho chegaram à freguesia de Rego, em Celorico de Basto. As mãos vinham cheias de equipamento médico e de muito amor para dar. Os sintomas eram idênticos: solidão e uma ou outra dor. Assim, a prescrição médica era fácil, à partida. Companhia, atenção e alguém para conversar.


Uma assistente da Câmara Municipal local acompanhava-os com uma lista de idosos referenciados. A primeira paragem foi no número 155 da Rua de Nosa Senhora da Saúde. Do lado de lá, apareceram o senhor João e a dona Lurdes. Vivem sozinhos, mas logo ali ao lado está um de três filhos. A boleia que precisam para chegar ao centro de saúde mais próximo. “A pé demoramos 45 minutos”, afirmou Lurdes Mota.

Aos 79 anos, a dona Lurdes é o suporte do marido, que não sabe ler nem escrever.

No auge dos seus 82 anos, João Araújo tem a saúde de um jovem. As tensões estão boas, não tem diabetes e a única medicação que toma é para os ossos. “Poucas vezes” vai ao médico. “Duas ou três vezes por ano”, contou à RUM.

Sentado à mesa com os futuros médicos lá ia respondendo ao inquérito, que testava as condições de saúde, habitacionais e familiares.


O dia do senhor João divide-se entre o sofá, as idas ao café e o quintal, enquanto a esposa, a dona Lurdes, se dedica à casa e às refeições. Visitas raramente recebem, a não ser as dos filhos ao fim-de-semana. Por isso, a passagem dos jovens agradou ao casal. “Isto é que é bonito, agora se os novos abandonarem os velhinhos torna-se um tempo feio”, comentou o senhor João.



“Já aprendi alguma coisa, a ligar o telefone para chamar ajuda se for preciso”


Do outro lado da rua estava mais um casal. Ambos com 82 anos, também. Carminda Mota e Américo da Cunha dedicaram toda a sua vida à agricultura. Não sabem ler, nem escrever. Em caso de emergência, o socorro era pedido aos vizinhos, porque, embora tenham telefone, não decifram os números. Ou, melhor dizendo, não decifravam. A partir de agora, a dona Carminda está apta a ligar para o número de emergência. “Um, um, dois”, repetia a dona Carminda a lição que estes jovens do Minho lhe ensinaram. “Já aprendi alguma coisa, a ligar o telefone para chamar ajuda se for preciso”, comentou. 

Nesta casa a medicação já faz parte do dia-a-dia, mas, ainda assim, sem grandes problemas de saúde a registar. “Tiveram a ver as doenças e a informarem-nos”, contou a idosa, que já teve “companhia” por um bom bocado.


Antes do almoço, a equipa, constítuida por dois estudantes do 3.º ano e duas finalistas, ainda conseguiu visitar mais duas residências. Na casa da dona Matilde e do senhor Manuel, o procedimento foi idêntico, perguntas sobre as rotinas, os equipamentos que têm em casa e  que possam causar perigo, a medicação que tomam, o que comem, quando frequentam o médico e o tempo que passam sozinhos. A farmácia mais próxima fica em Fafe, quando preciso vou de camioneta, demora 20 minutos”, detalhou Matilde Mota.


“A parte bonita da Aldeia Feliz é não sabermos o que vamos encontrar"


Foi assim durante três dias. É assim todos os anos, há já seis edições. Desta vez, em Celorico de Basto, os futuros médicos, formados na UMinho, visitaram cerca de 100 idosos. No total das seis edições, já ajudaram à volta de mil. O projecto Aldeia Feliz visa referenciar os idosos cuja situação, clínica ou de isolamento, é mais preocupante, para que as autarquia possam intervir e ajudar.

A Helena e a Diana foram duas dos mais de 20 voluntários que, durante três dias, fizeram das freguesias de Celorico, Aldeias Felizes.


Diana, aluna do 3.º ano de Medicina, entrou pela primeira vez no projecto. “É uma ajuda para praticarmos a comunicação com eles e melhorarmos as nossas capacidades médicas, porque vamos treinando o que vamos fazer no futuro”, afirmou.

Além da companhia, o grupo aproveita para por em prática conhecimento prático e “mede a tensão e a glicemia”. Na generalidade dos casos, por se tratarem de idades avançadas, os problemas mais frequentes prendem-se, precisamente, com a “hipertensão, diabetes e colesterol”. “A parte bonita da Aldeia Feliz é não sabermos o que vamos encontrar. Esta Câmara tem uma grande proximidade com os idosos. Tem o projecto Câmara Amiga, com uma carrinha que circula todos os meses, e o Celorico a Mexer, com actividades físicas”, desvendou Diana Fernandes. A futura médica considera ainda que o facto de o centro de saúde ser longe justifica que a maioria dos idosos vá ao médico apenas “uma ou duas vezes por ano”.


Helena Gomes está mais perto de ser médica. A finalista frisa os “casos complicados” ligados ao isolamento. “Há situações em que os idosos vivem mesmo sozinhos, há uma grande taxa de analfabetismo, em que não sabem ligar para o 112. São situações um bocadinho preocupantes”, asseverou.

Helena diz ter levado um exemplo para a vida com esta experiência, até por relatos que lhe chegaram de pessoas com vidas difíceis.


Esta sexta-feira, as visitas dos futuros médicos da UMinho chegam ao fim. As casas que outrora estiveram cheias, agora estão vazias. Na maioria dos casos, estes idosos passam o tempo, apenas, com o companheiro, enquanto a vida permite.

Este é um projecto contra a solidão, porque a passagem do tempo anda de mão dada com o isolamento, mas nunca com a vontade de fazer uma.. Aldeia Feliz.


Veja a reportagem vídeo aqui.


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