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Liliana Oliveira

Regional 13.02.2020 16H12

Fujacal: a escola que tem o mundo lá dentro

Escrito por Liliana Oliveira
O Centro Escolar do Fujacal conta com cerca de 50 alunos de 7 nacionalidades. A diversidade é rainha na escola, onde o preconceito não entra.
REPORTAGEM AUDIO

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O relógio aponta para as 10h20. Estamos junto ao portão que dá acesso a uma das escolas multiculturais de Braga, o Centro Escolar do Fujacal. Do outro lado, encontramos um bocadinho do mundo. Há 13 anos estudavam aqui alunos de 17 nacionalidades. Em 2020, contam-se menos dez países. Ainda assim, entre os 132 alunos do 1.º ciclo e 49 da pré-escola há cerca de 50 crianças que chegam de diferentes locais do globo.

Entramos e os corredores estão vazios. Dez minutos depois, às 10h30 em ponto, toca a campainha, que dá sinal da pausa lectiva para o recreio.É hora de brincar, aprender e ensinar. É precisamente com estes dois verbos, aprender e ensinar, que partimos nesta reportagem.


Seremos guiados nesta viagem pelo Heitor Mata (1.º ano), Dimitri Makaruk (4.ºano), Inês Cerqueira (2.º ano), Haziel Neves (1.º ano), Gabriel Silva (3.º ano) Pietra Barros (3.º ano) e Cinara Coutinho (4.º ano).

A ajudá-los estarão as professoras Gina Santos e Alda Vieira, o professor de ensino especial, Júlio Quintas, e a coordenadora da escola, Paula Santos.


“Aqui não há racismo, damo-nos todos bemAlguns são de outras etnias ou países mas temos que nos dar todos bem, porque somos todos seres humanos”. 


A mensagem de Cinara é forte e objectiva. O conceito de diversidade não andará muito longe da afirmação desta menina de etnia cigana. Dentro da sala de aula, desvendou Cinara, a música cigana é muitas vezes partilhada com os colegas, que ela própria ensina a dançar. “Eles gostam de ouvir”, garantiu.


Professores promovem viagem pelas tradições do mundo dentro da sala de aula


“Eu sou da Namíbia, a Michele de Angola, a Mia de França e o Maurício da Roménia”. Só com esta descrição do Haziel demos quase a volta ao mundo, mas ainda podemos dar um salto à “Rússia, Brasil e Venezuela”, por indicação da Inês, que não esquece as nacionalidades dos amigos de turma. Tudo isto sem sairmos da Escola do Fujacal.

“Eles ensinam-nos coisas diferentes e nós aprendemos. Depois, nós ensinamos e eles também aprendem as nossas maneiras”, disse a Inês. A amiga Romana nasceu na Rússia e apresenta algumas dificuldades com a letra “L”. Nada que a pequena Inês não resolva: “Ensinei-a a tentar falar melhor, eu dou-lhe palavras com essa letra e ela tenta dizer”. A amizade que une Inês a Romana é a mesma que Pietra e Gabriel partilham. São dois meninos vindos do Brasil. As necessidades especiais são trabalhadas na escola e entre eles. “Gosto desta escola, porque posso fazer novos amigos, como o Gabriel. Hoje, é o Gabriel que me vai ajudar nas coisas que eu faço”, garantiu determinada a menina brasileira.


Ainda que com sotaque inconfundível, Pietra assume gostar mais de Portugal por ser “mais divertido”. Enquanto conversávamos com a Inês,a pequena Pietra lá libertou uma inconfidência: “Ela (Inês) tem namorado!”. Uma afirmação logo desmentida pela alegada enamorada: “Eu ? Não, não tenho”.

Passamos agora as atenções para o Dimitri, que não esquece as bolachas e os jogos russos.

Saltamos da Rússia para Portugal e passamos agora às lições nacionais. A História do nosso país está bem estudada, mesmo para quem não a ouve desde cedo. “Aprendemos o reinado de D. Afonso Henriques, que foi o primeiro rei de Portugal”, afirmaram Cinara, Dimitri e Gabriel. E Heitor não esquece os “descobrimentos”.

A este propósito, a professora Alda, que dá aulas ao 4.º ano, tem no conteúdo programático, precisamente, a História de Portugal. “Não impus o que é nosso. A aula foi feita com "A Portuguesa", depois ouvimos o hino da Ucrânia e o menino falou da Ucrânia, depois o da Roménia e a menina falou do país e ainda o de Moçambique. Temos que dar abertura para que eles se possam expressar de acordo com a nacionalidade deles e isso é enriquecedor para os outros todos”, apontou.


Além da História, são partilhadas tradições natalícias, gastronomia e até “a própria religião”.

“Tive um menino muçulmano que na altura do ramadão falou das tradições e os outros aprendem que não é só a  deles a que está certa. Aprendem a respeitar o que é diferente”, explicou a professora Alda Vieira.

“É uma troca de vivências que só enriquece os miúdos a nível de reconhecimento de outras tradições, culturas e respeito”, completou Paula Santos.



“Esperamos que as etnias e nacionalidades respeitem o país que os acolhe"


Gabriel Silva gosta dos “amigos” que a Escola do Fujacal lhe deu, a quem ensina o sotaque brasileiro. Já o Dimitri aponta a professora nas preferências. Mas nem tudo é facil no meio de tanta diversidade. “Esperamos que as etnias e nacionalidades respeitem o país que os acolhe e não tentem impor as regras deles”. “Esta é a primeira regra”, diz Júlio Quintas.

Sobre esta perspectiva, acrescentou a professora Gina, “há um questionar constante do que se faz cá, sobretudo da nacionalidade brasileira, comparam a educação, as regras, a exigências e os métodos de ensino, com aquilo que existe no Brasil e há tendência em afirmar que aqui a sociedade é mais exigente e que lá é melhor”.

A coordenadora da escola lembra ainda uma história que decorreu há uns anos “entre ciganos e romenos, em que o cigano se virou para o romeno, que não estava a aceitar muito bem as regras da escola, e virou-se para ele e disse: se não estás contente vai para a tua terra”. Nestas situações, diz a professora Alda, “temos que lhes mostrar que estamos sempre prontos para acolher quem queira estar no nosso país e escola. Quem quer vir para aqui é sempre muito benvindo, tempos que saber respeitar mutuamente”.


Neste recinto escolar, revela a professora Gina, não é comum ouvirmos expressões como “o preto”. Isto deve-se também ao esforço do corpo docente que “trabalha isso desde o pré-escolar passando pelas funcionárias”.

No Fujacal, o preconceito fica à porta. “Para eles são crianças, só”, garante a professora Alda.

A mesma ideia que já está incutida nos professores que nem sabem ao certo quantas nacionalidades existem actualmente na escola: “Para mim, são todos iguais”, afirmou Paula Santos.


Centro Escolar promove apoio para rápida aprendizagem da Língua Portuguesa


Para colmatar as dificuldades de quem ainda se adapta à Língua Portuguesa, há ainda um professor que, duas vezes por semana, se desloca à escola. “Neste momento, está a apoiar dois alunos”, informou a coordenadora.

A Escola do Fujacal tem ainda protocolos com diferentes associações, como é o caso da Associação Juvenil Synergia, para apoio psicológico e terapia da fala. Ao nível da aprendizagem, há mais facilidade, como seria esperado, por parte dos brasileiros, mas o sucesso "não é linear, depende de onde chegam e há quanto tempo estão em Portugal".

E a propósito dos idiomas, Dimitri fala quatro: português, ucraniano, inglês e russo.

Nesta volta ao mundo, a propósito da diversidade, vamos aproveitar a viagem para aprender qualquer coisa. Diversidade, em português, diversity, em inglês, разнообразие , em russo, ou різноманітність, em ucraniano.

Já quase a chegar ao fim da viagem, para Cinara a diversidade “é divertimo-nos na escola, estudar. É tipo estar em comunhão”.


Este ano lectivo, diminuiu a percentagem de alunos com outras nacionalidades. Entram cada vez menos romenos e mais brasileiros. Desta escola parte o exemplo de que o sucesso não depende da origem, nem do idioma. O Fujacal é a prova de que dentro de uma sala de aula cabem todas as nacionalidades, todas as culturas, etnias ou religiões e nenhuma é melhor do que a outra.


Antes de deixarmos a Escola do Fujacal, onde há pequenos seres capazes de mudar o mundo, é importante lembrarmos que nem todas as histórias conhecem este final, um relatório da Unesco revela que "47% das crianças refugiadas não foi matriculada no ensino primário e 84% dos adolescentes não frequentava o ensino secundário, em 2016".

Mas aqui, no Fujacal, o mundo cabe dentro das paredes da escola. Este é um lugar que venceu, vence e continuará a vencer as diferenças porque esta é, sobretudo, uma escola da vida.

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