Nacional 24.06.2018 09H08
Ainda precisamos de animais na investigação científica?
Ratos, ratinhos, murganhos. Centenas de roedores ocupam salas no ICVS da UMinho. A procura por respostas para doenças que afectam humanos "obriga a utilizar vários tipos de animais", que no fim podem ser submetidos a eutanásia.
É preciso atravessar portas com avisos "proibido entrar" e corredores com pouca iluminação para chegar ao Biotério -local de alojamento dos animais utilizados em experiências científicas - do Instituto de Ciências da Vida e da Saúde (ICVS), na Universidade do Minho. Magda Castelhano-Carlos distribui: "Bata, mais uma por cima dessa, touca para o cabelo, luvas para as mãos, socas para os pés", e "atenção a esta linha que separa o balneário" de um mundo científico em plena Escola de Medicina.
"Vamos à sala onde estão os ratinhos que utilizamos em experiências", anuncia a coordenadora da unidade Biotério e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências em Animais de Laboratório (SPCAL). Magda utiliza o diminutivo para distinguir ratos de ratazanas. À chegada vê-se caixas distribuídas por dois corredores. Sozinhos ou acompanhados, centenas de ratinhos constroem a sua nova casa. Aqui a dedicação diária passa por preparar os animais que vão ser utilizados em testes relacionados com cancro, Alzheimer e tuberculose.
Mas, afinal, de onde vêm os animais utilizados em experiências? Normalmente de Espanha, França ou Itália. São disponibilizados por fornecedores certificados, que têm laboratórios controlados. Os animais são entregues com um estatuto sanitário especial. Quando chegam ao Biotério têm que passar por um período de quarentena da climatização de modo a habituarem-se à nova casa. Em Portugal, não há nenhum fornecedor certificado. O custo de cada animal pode variar entre os cinco euros e os quatro mil euros, condicionado pelo valor do transporte, acondicionamento e também pelo facto de em Portugal não existir nenhum local de criação.
São 3h da tarde e alguns dos investigadores ainda não viram o sol. Cacifos, regras e mais regras recheiam os corredores sem janelas do ICVS. E o instituto minhoto é, por estes dias, um local de investigação muito particular. Esta semana, 16 instituições portuguesas concretizaram em plena Escola de Medicina um Acordo de Transparência lançado pela European Animal Research Association, que visa melhorar a compreensão e aceitação dos portugueses sobre a temática dos animais na ciência. Trata-se de um documento que prevê a divulgação do trabalho desenvolvido, animais utilizados e resultados obtidos pelas entidades de investigação.
Portugal é apenas um entre os muitos países onde a informação sobre investigação animal é escassa, uma vez que 80% das instituições portuguesas não partilham dados. Segundo a Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), em 2014 as corporações cientificas nacionais utilizaram cerca de 25 mil animais em experiências. Toda a experimentação tem que passar por uma avaliação ética, ficando as instituições dependentes da aprovação dos projectos por parte da DGAV. Todos os testes em que são utilizados animais têm que justificar o seu uso. Aos investigadores é-lhes passada essa mensagem através do princípio dos 3r’s: substituição (do termo inglês replacement), redução e refinamento.
Depois das experiências, o que é feito aos animais?
A Occissão dos animais (Eutanásia) no final de uma experiência pode vir programada no projecto, sendo que os tecidos do animal podem ser guardados para outros fins. No plano tem também que estar previsto o designado "limite crítico humano", ou seja, se forem detectados sinais de sofrimento além do que é admissível, o animal pode ser sacrificado antes do final da experiência.
Uma das evidências do mau estar pode estar relacionada com a perda de peso descontrolada sem recuperação. Numa primeira fase, uma médica veterinária avalia a possibilidade de aplicar algum tipo de tratamento de modo a reverter a redução. Chegado a um limite de 20% de perda não é premitido avançar. Aqui seria atingido o limite crítico aceitável do projecto, o que levaria a optar pelo sacrifício do animal.
Sara Silva investiga a doença de Machado-Joseph -neuropatologia incurável caracterizada pela descordenação motora, atrofia muscular, rigidez dos membros, dificuldades na deglutição, fala e visão. Explica que, em geral, no ICVS não são desenvolvidos projectos que provoquem dor, uma vez que não é aplicado qualquer tipo de lesão ao animal. Garante que, "apesar de não ser do conhecimento público", existem testes comportamentais específicos que avaliam a dor que pode ser causada.
Há legislação que protege os animais de um certo sofrimento. E não é apenas dor. É dor ou desconforto causado. No Biotério do ICVS existem pessoas destacadas para avaliar qualquer comportamento de mau estar por parte dos animais.
Sara Silva explica que continua a ser necessário utilizar animais na ciência. "Infelizmente, continua a ser preciso. Existem experiências que não podem ser feitas in vitro. A tecnologia avançou, mas ainda assim não oferece soluções que nos premita proceder à substituição. Por exemplo, uma doença de tipo depressivo é fácil de testar em animais. Utilizamos mais ratos porque é mais simples fazer testes comportamentais. É bom que as pessoas percebam que utilizamos roedores porque temos necessidade de avaliar comportamentos complexos verificados nos humanos", explica.