Cultura 08.09.2025 08H23
Maria José Sousa. O Museu D. Diogo de Sousa esté "num processo de muito trabalho"
A liderar o espaço desde meados de 2024, a arqueóloga aponta que o museu se tem procurado aproximar da comunidade e quer alternar as peças em exposição.
Um museu que permite “várias possibilidades de visita e de uso fruto dos espaços”. Assim, a diretora do espaço Maria José Sousa descreve a experiência de quem passa pelo Museu D. Diogo de Sousa, em Braga.
À frente do equipamento desde março, de forma oficial, e a liderar a gestão desde meados de 2024, a arqueóloga conta com diversos técnicos que ocupam os laboratórios de conservação e restauro. Já são mais de 50 mil peças inventariadas sob a curadoria do museu, nem todas em exposição.
RUM – Para começar esta entrevista, gostava de perguntar o que o visitante vai encontrar durante o percurso que ele vai fazer pelos corredores e salas do Museu?
Maria José Sousa – Eu posso dizer que o Museu de Arqueologia do Diogo de Sousa oferece várias possibilidades de visita e de uso fruto dos espaços. Em termos das exposições permanentes nós temos o que é o núcleo principal do Museu, que é constituído pelo espólio proveniente da região norte, em especial do Noroeste, que vai desde a pré-história, o paleolítico, até a Idade Média. Mas, o nosso principal núcleo é exatamente do período romano e muito sim esse espólio proveniente de Bracara Augusta, que foi uma cidade fabulosa na época romana e que é a atual cidade de Braga.
Temos esse espólio em exposição em quatro salas. Na primeira sala, desde o paleolítico até a Idade do Ferro e depois as outras três salas são maioritariamente espólio de época romana, passando também pela época sueco visigótica, do período medieval e temos um núcleo já da Idade Média, fruto de uma grande escavação que foi feita por trás da Sé, na rua Nossa Senhora do Leite que deu um espólio fabuloso do século XIII-XIV e que também temos em exposição.
O que era a Sala das Posições Temporárias do Museu está ocupada precisamente com a doação Bühler-Brockhaus, que é um espólio de arte e arqueologia clássica do mundo Mediterrâneo, e que foi doado ao museu pelo casal Bühler-Brockhaus. Uma coleção de peças essencialmente gregas, etruscas e romanas.
São peças de arte clássica que costumamos ver nos grandes museus de Londres, Paris ou Nova Iorque, e que agora temos o privilégio de poder ver em Braga. Temos peças em mármore, grandes painéis de mosaico, cerâmicas gregas e muitíssimas outras peças.
Além de sermos museu, também somos um sítio arqueológico, porque o museu está instalado dentro do que foi a cidade romana de Brácara Augusta e, aquando da construção do Bloco Técnico, na cave foi encontrada a ruína de uma casa romana com dois grandes painéis de mosaicos datados do século I, que foi preservado em sítio e que também integra o circuito de visita. Esta zona foi alvo de valorização com o financiamento do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), que está numa fase de tratamento e de limpeza.
Como é feito a administração deste espólio, seja o permanente, seja o que era antes alocado na área de exposição temporária. As peças em exposição são trocadas?
O Museu de Arqueologia é um local de acolhimento do espólio arqueológico, não apenas de Braga, mas da região Norte. O museu está constantemente a receber espólios.
Depois é sempre um processo muito demorado, porque esse espólio entra, tem de ser tratado, inventariado, documentado. Por vezes, existe a felicidade de haver uma peça quase completa, ou até inteira, se no caso de se tratar, por exemplo, de sepulturas romanas, que é praticamente único caso em que encontramos peças intactas, porque estão no local selado, porque normalmente os polos destas escavações são essencialmente cerâmicos e vidros, principalmente cerâmicas, que na sua grande maioria estão em fragmentos.
O museu tem também um laboratório de conservação a restauro, que possibilita que esses materiais que dão entrada do museu possam ser, depois, agrupados e restaurados, ou pelo menos colados, no caso de se constituírem peças mais completas e, em algumas, até que conseguem ser restauradas na totalidade.
Esse espólio, depois, dependendo da sua importância, pode ser automaticamente integrado na exposição. Nós temos, em reserva, algumas peças já restauradas ou quase completas, que é uma pena que os visitantes não possam vê-las. Por isso, estamos a começar a planear a troca das exposições, o que motiva as pessoas a vir mais que uma vez, porque nunca vão ter visto tudo e é um bocadinho essa a ideia que nós queremos que as pessoas tenham, que passem a utilizar o museu como um integrado nos seus circuitos de visita, dos seus programas de tempos livres
Para além das exposições nós temos também uma biblioteca aberta ao público o acesso livre, que as pessoas podem frequentar, que é um espaço belíssimo, com vista para os jardins, em que temos uma grande quantidade de publicações da arqueologia, de museologia e muito do património aqui da região norte do país.
Quantas pessoas visitaram o museu este ano?
O museu acaba por ter dois tipos de visitantes, aqueles que vêm visitar exposições, participar nas atividades realizadas pelo museu, seja oficinas, seja conferências ou outras e depois temos quem vem almoçar, doar sangue - porque temos um protocolo com o Instituto Português do Sangue e à segunda-feira o dia em que o museu está encerrado a colheita de sangue é feita no espaço do museu, criando assim também melhores condições para que isso possa acontecer em Braga. Temos também a cedência dos espaços para eventos, como os concertos de jazz na Noite Branca.
Em termos de números, neste primeiro semestre de 2025 tivemos, cerca de 13 mil visitantes e outros 27 mil que vieram ao jardim, a cafetaria, ou à loja, porque esse tipo de utilizadores do museu não contabilizámos como visitantes.
De qualquer modo, é bom para nós que as pessoas usem o museu porque é um museu público, é um museu de todos e como temos serviços variados, também ficamos satisfeitos porque isso aconteça.
Em relação, como falou, em comparação ao ano anterior, nós temos, em termos de visitantes, cerca de 1.300 pessoas a mais que visitaram o museu. Recebemos muitos turistas, apesar de os visitantes nacionais continuarem a ser a maior parte dos nossos visitantes.
Durante o ano letivo, temos pelo menos 15 escolas por mês que nos visitam, o que é, sim, um número muito significativo. Nós procuramos também que a visita ao museu e principalmente os grupos escolares, seja articulada também com a visita aos sítios arqueológicos aqui da proximidade.
Como é que o museu faz para poder conseguir se manter financeiramente estável e, qual o peso dos visitantes nesse orçamento?
O museu, nesta altura, está sobre a gestão da Museus e Monumentos de Portugal, que é uma entidade pública de carácter empresarial e não tem autonomia financeira. Também, nesta fase, o museu não conseguiria ser autossuficiente.
Agora, nesta questão dos visitantes, a maior parte dos nossos visitantes acabam por ter entrada gratuita, principalmente os nacionais, as visitas das escolas têm entrada gratuita. Em termos dos números, o acesso 52 começou em agosto do ano passado. Nós temos uma média de 400, 450 visitantes com este acesso.
Por outro lado, consideramos que o preço da entrada no museu que agora é 5 euros, não seja um preço de modo nenhum que seja caro, mas que tivemos já visitantes que perguntavam o preço e que não visitavam por acharem que, ou não poderiam pagar.
Além do trabalho com as escolas, qual é a outra relação que o museu tem criado com a comunidade local?
Queremos que as pessoas sintam vontade de vir e que com elas tragam amigos familiares, criando assim também ligações de proximidade, criando visitas específicas para grupos. Estamos a concluir a elaboração de uma programação que será para o ano letivo, mas também que seja já para o próximo ano civil, com regularidade de algum tipo de atividades que possam atrair visitantes.
Tivemos uma palestra realizada por uma voluntária americana do museu e depois temos o que nós denominamos uma happy hour seguida de um concerto jazz que esteve enquadrado na programação da noite branca. Estamos a tentar que as pessoas possam frequentar o museu participando numa atividade arqueológica, mas que depois possam beber um vinho eventualmente e até assistir a um concerto, ou seja, criar experiências que sejam mais alargadas e com isso consigamos também trazer mais pessoas a frequentar o museu.
Qual o balanço que a Maria José durante este tempo à frente da gestão do museu?
Ainda não tenho muito tempo que permita fazer um balanço mais qualificado. De qualquer modo, há uma série de tendências que estamos a seguir e que estamos a notar já alguns resultados em termos da própria área do museu. Acabamos por qualificar alguns espaços, estamos também a investir na qualificação dos próprios técnicos e possibilitar que cada um tenha cada vez mais competências.
Sou técnica do museu há 20 e tal anos, por isso é uma casa que eu conheço bem e que gosto muito e que estamos a potenciar uma série de áreas, tanto na parte técnica, que estamos a qualificar o Laboratório de Conservação e Restauro, estamos numa fase de transição, porque grande parte dos colaboradores do museu está a chegar ao período de aposentação e isso está, digamos assim, a criar aqui uma fase de transição que tem um lado bom e tem um lado mau, não é?
Estamos num processo de muito trabalho e de procurar todas as ajudas e parcerias que possamos no sentido de qualificar a parte técnica, que é importantíssima.
Como é que foi essa experiência da Maria José? Já está há tantos anos de trabalhar no museu para assumir a função de liderança do museu inteiro. Era um caminho que a Maria José era expectável?
Confesso que não. Eu sou essencialmente uma arqueóloga e gosto muito do trabalho de bastidores e da ligação com os investigadores e de criar conteúdos para a fruição do público.
Vejo-me muito nesse lado do trabalho, mas a partir de certa altura achei que se calhar-me eu podia também procurar dar mais algum contributo numa área mais de colaborar neste trabalho de equipa de uma forma mais intensa, digamos assim. E pronto, concorri e acabei por ficar.
Eu acho que ser diretor do museu é ser alguém apenas com mais responsabilidade no trabalho do museu. É basicamente isso e que tem de procurar trabalhar com os recursos existentes, potenciá-los e ao mesmo tempo trabalhar mais. É basicamente isso e como gosto tanto do museu acabei por seguir este caminho.