Desporto 11.08.2020 21H30
"O mister Queiroz passou por mim e disse 'agora estamos nas tuas mãos' " (parte II)
Eduardo recorda a estreia pela selecção A de Portugal.
Dois campeonatos do mundo e dois campeonatos da Europa. Ao longo das 36 internacionalizações por Portugal, Eduardo esteve presente em quatro grandes competições.
Na segunda parte da entrevista - a primeira centra-se no trajecto efectuado a nível de clubes -, o antigo guarda-redes recorda o momento em que se estreou pela seleção A, quando era jogador do SC Braga, a que se seguiu a titularidade no Mundial da África do Sul, em 2010. O título europeu conquistado em França, seis mais anos tarde, é outro dos momentos mais marcantes da carreira do agora treinador de guarda-redes.
RUM: O Eduardo chega às selecções jovens 'apenas' nos sub-21, onde faz dois partidas, em 2008, e, nem um ano depois, realiza o sonho de jogar pela selecção principal. O dia 11 de fevereiro de 2009, data da estreia do Eduardo, num amigável frente à Finlândia, no Estádio Algarve, é o momento mais alto da carreira?
Eduardo: Sim, sem dúvida. Era algo que sonhava há muito tempo, apesar de, quando era mais jovem, isso nunca me ter passado pela cabeça. Ao longo do meu trajecto, principalmente no Vitória de Setúbal e no Sporting de Braga, fui sentindo que era possível. Fui sendo pré-convocado e depois passei a ser convocado. Sentia que um dia podia haver essa oportunidade de me estrear.
Foi num momento decisivo do apuramento. Lembro-me que tivemos esse jogo de preparação e que depois tínhamos uma partida de qualificação contra a Suécia, no Dragão, em que, se perdêssemos, ficávamos logo fora. O Quim era o guarda-redes que tinha começado a qualificação. Lembro-me de, quando estávamos no Algarve [na partida contra a Finlândia], em que o Quim não tinha sido chamado, o mister Carlos Queiroz ter passado por mim e ter dito 'agora estamos nas tuas mãos'. É uma pessoa a quem tenho de agradecer imenso. Foi um defensor meu nato, esteve sempre a meu lado e deu-me a estabilidade que precisei.
O Eduardo chega à selecção quando estava no Sporting de Braga, algo que não é uma situação comum. Por exemplo, esta época, falou-se da possibilidade de o Ricardo Horta e do Paulinho serem chamados, que acabou por não acontecer. Teve um sabor especial ser convocado quando estava ao serviço do clube arsenalista?
Claro que é diferente. No entanto, não quero acreditar que os jogadores sejam chamados pelo clube que representam, mas sim pela qualidade que demonstram. O Braga tem, sem dúvida, excelentes jogadores e acho que as pessoas estão atentas ao trabalho deles. Se mantiverem o nível, vão ter a sua oportunidade.
Assume a titularidade durante a qualificação para o Campeonato do Mundo da África do Sul e chega com esse estatuto à fase final da competição, em 2010. O que é que um guarda-redes sente quando vai a uma prova deste nível e logo como titular?
Não é fácil, mas lembro-me perfeitamente daquilo que foi esse ano e da época que tinha feito no Sporting de Braga. Cheguei lá numa fase muito tranquila da minha carreira e com a maturidade suficiente que me permitiu desfrutar da competição. Sentia que podia fazer uma prova excelente. Claro que podia acontecer algum percalço, mas estava bem.
Portugal é eliminado nos oitavos-de-final pela Espanha, com um golo de David Villa. Apesar de a exibição do Eduardo ter sido considerada pela crítica como excelente, ainda hoje lhe custa olhar para essa derrota?
Sem dúvida. Todos nós somos importantes no jogo. Tinha feito algumas boas defesas, que mantiveram a equipa em jogo. Quando olho para trás, lembro-me que perdemos daquela maneira, num lance em que, se fosse hoje, com o VAR, não era golo. Foi bastante triste perder daquela forma.
Já como suplente do Rui Patrício, o Eduardo vai ao Euro 2012, na Polónia e na Ucrânia, ao Mundial 2014, no Brasil, e, claro, ao Euro 2016. Passados quatro anos dessa conquista em França, já há palavras para a descrever?
Ter estado presente naquele grupo que conquistou o maior título para Portugal é dos momentos mais marcantes da minha carreira.
E ser agraciado com o grau de comendador da Ordem do Mérito?
Isso é também o reconhecimento do país pelo trabalho que foi feito. Sempre que se aproximava um mundial ou um europeu, todos os portugueses pensavam ‘é este o nosso ano’, devido ao potencial que as equipas tinham, mas, por uma razão ou por outra, isso não acontecia. Se calhar ganhámos no ano em que as pessoas menos acreditavam. Poder ter estado naquele grupo, ter vivenciado as diferentes fases, a preparação e os jogos, vai ficar
marcado para sempre, por muitos momentos espectaculares que venha a ter do ponto de vista desportivo.
São 36 internacionalizações ao serviço da selecção principal. Como olha para esse percurso? Além do orgulho que sente por tudo aquilo que já falou, acha que podia ter assumido durante mais tempo a titularidade? Acredita que a ida para o Benfica, em 2011, teve algum peso?
Sim, é possível. Estava numa fase boa, mas depois deixei de jogar na selecção porque também não jogava no clube. Foram decisões. Sempre pensei pela minha cabeça. Se tivesse ido para outro clube, as coisas poderiam ter sido diferentes. Não há que olhar para trás com arrependimento, mas sim pensar que tive uma passagem bonita por um grande clube.
"Não é fácil a gente lá de cima ter oportunidades"
Desde que começou o seu percurso nos infantis do Mirandela até ao ponto final na carreira no Sporting de Braga, passaram 30 anos. Alguma vez imaginou que ia ter uma carreira deste nível?
Não. Não é fácil em Trás-os-Montes haver estas oportunidades. Quem lá passa e quem lá vive sabe que as coisas dependem de algumas pessoas, que as fazem por gosto. Eu tive a felicidade de ter uma pessoa, um treinador meu, o sr. Rocha, das pessoas mais importantes da minha vida, que, quando o meu pai faleceu, me continuou a levar aos treinos. Eu morava longe, numa quinta, e tinha que fazer quilómetros a andar a pé na linha do comboio para
poder ir treinar. Era a pessoa que me ia buscar e que me ia levar e que também me deu as primeiras luvas. Foi a pessoa que, quando saí do Vitória de Guimarães, ligou para o Braga para que viesse cá treinar.
Estamos a falar de uma pessoa que não tinha retorno nenhum. Fazia aquilo porque gostava de nós e porque queria que os miúdos da terra tivessem sucesso. Não é fácil a gente lá de cima ter essas oportunidades. Muitas vezes, as pessoas perdem-se ou vão trabalhar porque não têm oportunidades. E eu tenho que agradecer ao sr. Rocha, que me ajudou imenso e que fez tudo por mim. Acho que é um bocado difícil ambicionar chegar a este
nível. Claro que depois as coisas foram acontecendo. A gente vai tendo noção que é preciso trabalhar e sacrificarmo-nos para atingir os objectivos.
Além de treinador de guarda-redes do Sporting de Braga, o Eduardo vai ser responsável pela escola de guarda redes do clube. A ideia de abrir o leque de prospecção para zonas mais 'escondidas' do país é também uma das facetas que pretende implementar neste cargo?
Sem dúvida. Hoje, os jovens já olham para o Braga com uma ambição enorme. Temos que os procurar, temos que os fazer crer que a gente vai potenciá-los para chegarem lá acima. Temos vários exemplos disso, de atletas que chegaram às selecções nacionais. Temos um departamento para os guarda-redes que foi criado pelo Vital, que deixa um trabalho bem estruturado, com gente capaz. Agora vamos tentá-lo desenvolver um pouco mais porque os clubes têm de viver da formação. A ideia é descobrir os talentos que estão escondidos, tal como eu estava.