Nacional 05.02.2020 15H05
O que vai acontecer se a eutanásia for aprovada em Portugal?
Despenalização da morte assistida volta ao Parlamento dia 20 de Fevereiro e desta vez deve ser aprovada.
O tema divide a sociedade, mas para o Movimento Cívico Direito a Morrer com Dignidade, não faz sentido que assim seja. Portugal está a poucos dias de ver o assunto discutido, e muito possivelmente aprovado pelo Parlamento. Estamos suficientemente esclarecidos? A decisão deve estar nas mãos dos partidos? A despenalização vai banalizar a morte? Vamos ter filas de espera para a eutanásia?
A RUM ouviu o Movimento Cívico Direito a Morrer com Dignidade, que nasceu em 2015, no Porto, pelas mãos da sociedade civil. Dois dos fundadores já desapareceram: Laura Santos, antiga docente da UMinho, pioneira na defesa da despenalização da eutanásia, faleceu em Dezembro 2016 sem ver a medida aprovada. O mesmo aconteceu com outro dos fundadores, João Ribeiro Santos, médico nefrologista.
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Depois do movimento surgiu uma petição “pelo direito a morrer com dignidade”, que alcançou mais de oito mil assinaturas, mais do dobro das quatro mil necessárias para levar a discussão a o Parlamento. Até Maio de 2018, data em que a despenalização foi chumbada no Parlamento, o assunto foi amplamente discutido nas rádios, nas televisões, em debates organizados pela sociedade civil e nas universidades. Por isso, diz João Carlos Macedo, “não faz sentido na actual composição do Parlamento não voltar a colocar isto em discussão. A sociedade foi discutindo a temática” e há informação mais do que suficiente sobre o tema. Apesar disso, reconhece, assunto é "fracturante", daí que surjam sempre questões, acrescenta.
PS, BE, PAN e PEV são os partidos com iniciativas legislativas nesta matéria. Pode ainda haver um quinto projecto por parte do Iniciativa Liberal que tem o assunto no seu programa, mas remete uma proposta para depois de concluído o processo orçamental. Numa rápida análise, o porta-voz do movimento é claro: "Todas as propostas estão balizadas, não permitem abusos, há um conjunto de etapas a seguir".
Caso seja efectivamente aprovada na Assembleia da República (AR), a questão será depois discutida em sede de especialidade e aí, defende o movimento, terá de se chegar a um consenso entre as propostas dos diferentes partidos. No caso português, todas as propostas contemplam a morte assistida e o suicídio assistido. Terá também de ser criada uma comissão nacional que avalia o pedido.
O processo terá sempre várias etapas: “um pedido reiterado da pessoa a dizer que quer abreviar a vida tendo em conta a situação clínica, terminal”. Os projectos diferem um pouco mais nos pedidos. Segundo João Carlos Macedo, “alguns referem que o pedido deve ser feito a um médico, depois passará para um médico da especialidade da patologia que a pessoa tem”, como por exemplo um oncologista, no caso de um cancro em fase avançada e sem cura”. O PAN vai mais longe e defende também uma avaliação de um psiquiatra.
Comissão constituída por especialistas de várias áreas terá a decisão final
Terá sempre de existir uma comissão nacional que “vai dar o aval, ou não, ao pedido”. A comissão será sempre constituída por profissionais de várias especialidades (medicina, enfermagem, bioética e direito. “Se o pedido não for bem instruído, se houver dúvidas, essa comissão terá a função de dizer se está ou não de acordo, se o pedido em questão está dentro do quadro que o país prevê”, explica o docente da UMinho.
Eutanásia nos serviços públicos e privados?
João Carlos Macedo apela à reflexão sobre o local ideal nesta primeira fase. O responsável defende que “por uma questão de precaução”, o país deveria optar, inicialmente, apenas pelo Serviço Público “para não levantar dúvidas a pessoas menos eclarecidas”.
Há quem alerte para os custos associados à morte assistida. O especialista considera que se trata de uma “falsa questão”. “Acontece diariamente nos hospitais a distanásia. Temos pessoas que inexoravelmente irão morrer, mas porque é possível faz-se mais alguma coisa, dá-se mais uma medicação para que o coração vá funcionando e a pessoa vai sobrevivendo mais alguns dias naquela situação, mas ninguém faz contas à questão dos custos, que são astronómicos, porque não há o bom senso de às vezes recuar e desistir de algumas terapêuticas que são fúteis”, defende.
O movimento sublinha que a eutanásia não é uma alternativa aos cuidados paliativos, como algumas vozes também referem. João Carlos Macedo reconhece que é preciso investir nos cuidados paliativos e acredita até que com a despenalização os cuidados paliativos se podem desenvolver com mais vigor, como acabou por acontecer noutros países.
"Se a eutanásia for aprovada não vamos encontrar filas para recorrer à morte assistida"
O movimento cívico Direito a Morrer com Dignidade está confiante na aprovação da despenalização da eutanásia, mas até que se torne uma realidade o assunto vai seguir várias etapas.
João Carlos Macedo reconhece também que mesmo que a despenalização venha a ser aprovada, os pedidos, inicialmente, serão sobretudo de pessoas mais informadas. "Numa primeira fase vai ser, eventualmente, para pessoas que aprofundam mais neste tema. O cidadão médio, efectivamente, chegará lá a muito custo", admite, fazendo a comparação com o próprio testamento vital, um processo relativamente recente, mas complexo, e provavelmente por isso mesmo é que terá sido assinado por apenas 25 mil cidadãos no país.
"Não vai haver filas ou profissionais com um cartaz a dizer «eu eutanasio»", assinala João Carlos Macedo, que recorda que os próprios profissionais não serão obrigados a eutanasiar uma vez que se podem declarar objectores de consciência.
"Não há dois lados da barricada. Há pessoas que têm perspectivas diferentes e isto não vai colidir com os valores de cada um. Quem quiser bons cuidados paliativos deve-se esforçar para que eles existam. Quem quiser estar favorável a uma lei deve bater-se por isso. O país convive com estas duas realidades pacificamente", reitera.
João avança que "todas as leis são passíveis de abusos, mas isso não pode impedir que este processo de despenalização prossiga". "Os profissionais sabem que há um quadro legal", conclui.
E o que diz o Presidente da República sobre a Eutanásia?
O Presidente só se pronunciará no último segundo. “Neste tipo de matérias o Conselho Nacional de Ética dá os seus pareceres, as ordens pronunciam-se, as várias entidades ou já se pronunciaram ou vão pronunciar-se e o Presidente não se pronuncia até ao último segundo, e ao último segundo decide o que tem de decidir.”
Questionado sobre se é provável que vete uma lei da eutanásia, Marcelo foi evasivo. “Estamos a falar de uma realidade que está em curso, ainda longe da sua conclusão. Eu referi as várias outras componentes que vão, nestes meses próximos, ser notícia, e contribuir para a decisão final do Parlamento. Perante essa decisão final eu decidirei”.