Nacional 02.07.2025 10H59
Reforço do pré-escolar: privados candidatam-se a contribuir só com 28 salas novas
Ministério quer 200 novas salas a reforçar rede pública. Abriu concurso para 6000 vagas. Privados candidataram-se a preencher 1700, a maioria em turmas que já existem. Sector social continua à espera. escreve hoje o Público.
Os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo propõem abrir no próximo ano lectivo apenas 28 novas salas de pré-escolar. “Um número muito residual”, reconhece a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep), em declarações ao Público.
A decisão do Governo de avançar com apoio financeiro ao sector privado e social para aumentar a rede para as crianças dos 3 aos 5 anos é de Abril. O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) e o Ministério da Segurança Social tinham como objectivo “a abertura de 200 novas salas”, garantindo o acesso a 5000 crianças à educação pré-escolar. Para tal previa, segundo as portarias então publicadas, a “celebração de contratos com estabelecimentos particulares, cooperativos e sociais”, para os anos lectivos de 2025/2026, de 2026/2027 e de 2027/2028.
“O MECI abriu uma pré-candidatura [em Abril] para um pouco mais de seis mil vagas”, diz Rodrigo Queiroz e Melo, director executivo da Aeep. “Os privados manifestaram interesse em oferecer cerca de 1700. Agora é preciso que o concurso avance efectivamente para que essas intenções possam ser materializadas.”
A lista com as pré-candidaturas a contratos de associação para o pré-escolar está disponível no site da Direcção-Geral da Administração Educativa. Houve candidaturas para apenas 28 turmas completas e menos de 1700 crianças. ”A Aeep alertou no passado para a necessidade de o Governo rever em alta o montante por aluno, pois essencialmente o que os valores em causa permitem é ‘fechar turmas’, isto é, completá-las, mais do que propriamente abrir turmas inteiras de raiz”, diz Queiroz e Melo.
“Os 208 euros mensais por aluno são insuficientes para poder pagar os vencimentos aos educadores e auxiliares de uma turma inteira”, afirma. “Estou certo de que, com valores robustos, a resposta do sector privado e cooperativo teria sido muito mais ampla.”
Susana Batista, da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), lembra que em muitas freguesias foram identificadas pelo Governo necessidades de cinco, dez vagas que podem ser incluídas em turmas já existentes, mas o valor de 208 euros por criança, mensais, é baixo, diz. Além disso, na última reunião que a associação teve com o ministério, nota, ficou implícito que o almoço e o prolongamento de horário (ou seja, o que não é “componente educativa”) deverá ser pago pelas famílias, em função dos rendimentos, e que na presença de famílias com baixos rendimentos serão os privados a suportar. Algo que muitas instituições, sobretudo mais pequenas, não conseguem comportar. Por isso, diz, poucos dos associados da associação demonstraram interesse em avançar.
Em Novembro, a ACPEEP apresentou os resultados de um inquérito aos seus associados que, nota, mostravam que estes tinham capacidade para acolher mais 5800 crianças.
Seja como for, prossegue, “após a fase de pré-candidaturas, não houve mais desenvolvimentos, provavelmente o ministério espera que saiam as colocações no ensino público para avaliar as necessidades” finais e confirmar que o levantamento das carências publicado em Abril se mantém actual.
Outra preocupação manifestada por Susana Batista é esta: se o reforço se pretende já para o próximo ano lectivo, que arranca em Setembro, “o prazo, como sempre dissemos, é muito apertado”.
“É preciso negociar com o sector social”
Foi em Março deste ano que a lei 22/2025 estabeleceu a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a partir dos 3 anos de idade. A gratuitidade está no programa do Governo. Mas “ainda não se concretizou”, nota Carlos Andrade, vice-presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP).
Aliás, prossegue, o sector social “tem hoje menos capacidade do que tinha há dois ou três anos” de alargar a oferta dos 3 aos 5 anos. Por uma razão: “O anterior Governo [liderado por António Costa] lançou o programa Creche Feliz [para crianças até aos 3 anos] e propôs às instituições que transferissem lugares do pré-escolar para a creche. Por isso, fechámos salas do pré-escolar. O problema é que os meninos crescem. E os meninos da creche agora precisam de pré-escolar.”
Reforço do pré-escolar: privados candidatam-se a contribuir só com 28 salas novas
E continua: “Portanto ou a indicação foi mal dada, ou fizeram mal as contas, ou não quiseram saber das contas. Tentou resolver-se o problema da creche e entalou-se o pré-escolar.” Além disso, os meninos da Creche Feliz não pagavam pela creche, “mas agora pagam pelo pré-escolar”. “Para que haja gratuitidade é preciso negociar com o sector social.”
Em Abril, saiu o despacho que autorizava “a realização da despesa relativa aos apoios decorrentes da celebração de contratos com estabelecimentos particulares, cooperativos e sociais” para possibilitar a abertura das tais “200 novas salas” para 5000 crianças. O Governo comprometia-se a dar um incentivo financeiro, único, no valor de 15 mil euros, a quem adaptasse instalações para abrir novas salas de jardim-de-infância. E a pagar os 208,05 mensais, por criança, por mês.
Foi ainda publicado um levantamento das necessidades, por freguesia — o MECI teve em conta as localidades com maiores carências deste tipo de oferta escolar para crianças de famílias em contexto socioeconómico vulnerável. A lista mostra cenários muito diferentes de freguesia para freguesia: numas identifica 250 vagas como necessárias para completar a rede, noutras, cinco ou dez apenas.
Ao todo, o investimento previsto do Governo ascende a 42,5 milhões de euros, a utilizar durante os três próximos anos lectivos.
Carlos Andrade explica que os contratos de associação previstos são apenas para o sector particular e cooperativo. E que no caso das IPSS e misericórdias o modelo de financiamento é outro. Mas não houve até hoje qualquer negociação com o MECI, “que tem a fatia de leão neste processo”; o interlocutor das misericórdias tem sido sempre, diz, a Segurança Social.
Qual será então a capacidade de resposta do terceiro sector para cumprir as metas de 200 salas e 5000 alunos? “O contributo vai ser aquele que o Governo contratualizar connosco e ainda não contratualizou nada. Todos os anos é assinado um compromisso anual” com os valores da comparticipação do Estado para as diferentes respostas do sector social, este ano esse compromisso estabeleceu para o pré-escolar um aumento para 208 euros por criança, e “foi assinado com pompa, como deve ser, com a presença do primeiro-ministro”. Mas falta o resto.
O prazo avançado pelo ministério em Abril era de que o processo deveria estar concluído em Julho.
Questionados pelo PÚBLICO, nem o Ministério da Educação nem o da Segurança Social responderam sobre qual a estimativa de reforço da rede, nem como entrará o sector social, nem sobre as dificuldades reportadas pelo sectores particular e social.
No ano lectivo de 2023/2024 estavam inscritas em Portugal, no pré-escolar, 269.616 crianças. A taxa real de escolarização, que considera apenas as crianças matriculadas com idade entre os 3 e os 5 anos, era, no ano anterior, o último para o qual é feito o cálculo, de 94%. A região de Setúbal, com uma taxa de 83%, apresentava o valor mais baixo. A UMP lembra, contudo, que, sobretudo em algumas regiões, o número de crianças tem vindo a aumentar, fruto essencialmente da imigração.
PÚBLICO