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Fotografia: Marcelo Hermsdorf / RUM
Marcelo Hermsdorf

Cultura 07.09.2025 12H18

Rui Torrinha. "O CCVF mudou para sempre a paisagem cultural de Guimarães"

Escrito por Marcelo Hermsdorf
O espaço vimaranense completa 20 anos, em 2025, com uma programação que espelha "a construção da sociedade para o futuro entre aquilo que são manifestações de diversos públicos".

Setembro assinala os 20 anos do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), em Guimarães. O espaço, que na opinião do diretor do direção Artística do CCVF e Artes Performativas d'A Oficina, Rui Torrinha, que "mudou para sempre a paisagem cultural de Guimarães" e de Portugal, vai celebrar a data com uma programação especial que inclui concertos, espetáculos de teatro e dança. O aniversário será marcado por eventos como 'Bailar em Casa' e um concerto com Sérgio Godinho, Branko e Rocío Molina.


O responsável adianta, em entrevista à RUM, a programação especial, faz um balanço sobre o percurso do espaço cultural e projeta o papel que o CCVF vai ter para os próximos anos em Guimarães.



RUM - Qual a programação preparada para celebrar os 20 anos do CCVF, entre os dias 12 e 21 de setembro.

Rui Torrinha - Em primeiro lugar, como sempre, nós celebramos a abertura de temporada no jardim, na relação com a arquitetura e a manifestação da arte, através do Manta, que é um retorno à cidade. A história do Manta é uma história de grandes figuras da música contemporânea, nacional e internacional, mas também de figuras emergentes. Algumas delas tocaram aqui no início de carreira e agora são figuras muito grandes.


Mantemos essa premissa naquilo que é, no fundo, a curadoria desta edição dos 20 anos. Duas figuras maiores da canção, a nível nacional e internacional, o Sérgio Godinho e também Rodrigo Amarante, em português, para celebrarmos também a força da nossa língua. Depois introduzimos, por um lado, aquilo que é a manifestação da comunidade artística local, através do Hot Air Balloon, e depois um nome que, nos parece vai ser grande no futuro, a Bia Maria.


Isto vai dar-se também com uma oficina para crianças e bebés pelo meio, pois o Manta tem outras manifestações de relação com a música, que não seja apenas assistir aos concertos, mas também participar, e esse efeito de relação com a comunidade vai ser incrementado com três oficinas durante o dia de sábado. É algo que temos vindo a trabalhar e queremos de facto desenvolver, que é, no fundo, o desfrutar do espaço na relação com a música e com a arquitetura, e isso faz com que todos os públicos sejam bem-vindos.


Depois seguimos embalados pela celebração dos 20 anos. É um número muito forte, muito redondo, onde cabem milhares de pessoas nesta história, nesta longa história do Centro Cultural de Vila Flor, que mudou para sempre a paisagem de Guimarães e porque não dizer também do país, na forma como se posiciona, como tem investido na criação, fundamentalmente, das artes performativas.


Quisemos montar um programa que fosse tão plural quanto possível, que registasse, no fundo, esta componente internacional que o projeto tem de representação da cidade e do país, através de uma grande obra da Rocío Malina com o Niño de Elche. São duas figuras maiores do panorama internacional, acompanhados por três músicos, e também, um detalhe que não é de menos importância, um coro local de 16 elementos. Portanto, há um momento de feição internacional, mas de colaboração com aquilo que são artistas que residem no território.


Essa será a noite da celebração do vigésimo aniversário, 17 de setembro, mas depois que quisemos multifacetar o programa.


Na quinta, abriremos o Palco do Grande Auditório a todas as pessoas quiserem aparecer e dançar espontaneamente, é o Bailar em Casa. É também um sinal de que o Vila Flor é um lugar de encontro, não só um lugar de assistir espetáculos, mas de um lugar de encontro e de manifestação dessas vibrações.


Na sexta-feira, temos, no fundo, a celebração de uma obra que está por cima do tempo, que é o 'A Love Supreme', do John Coltrane, que regista 60 anos. A 'mensagem do amor' é importante num tempo de cólera, se quisermos citar o Gabriel García Márquez. A figura do John Coltrane aqui representada por um dos grandes intérpretes músicos portugueses, Ricardo Toscano, numa espécie de referência a uma história que está interligada ao Vila Flor, que é o 'Guimarães Jazz'. Portanto, o jazz aqui também presente.


No sábado, temos uma proposta que é muito orientada para as novas gerações. Eu chamo-lhe pessoalmente, um araial eletrônico, porque vai ser um concerto do Branko no jardim do Vila Flor, com entrada livre. O Branko se está a preparar para fazer regressar os 'Buraka Som Sistema'. Portanto, vamos apanhá-lo antes de ele se preparar para esse regresso. É uma das figuras maiores da eletrônica, deste estilhaço estético multifacetado que encontramos na música, desta celebração também da manifestação africana na música portuguesa, que para nós é importante.


E, finalmente, para fechar no domingo, aquilo para nós é, no fundo, a representação máxima da missão, que é a celebração entre as artistas e público. E, nesse caso, temos uma performance chamada ‘Atlas Guimarães’, onde vamos ter 100 pessoas em palco, que vão, no fundo, representar aquilo que é a passagem do público para o lugar artístico.


Essa também é a evolução que fizemos ao longo dos 20 anos aqui no Vila Flor, em que deixamos representar a arte para passarmos a vibrar com a arte e passarmos a respirá-la de todos os poros. Portanto, é uma convocatória a todo o concelho que é uma performance assente em diversas profissões que se vão representar em palco, comandados pelo João Galante e Ana Borralho. No fundo, é a premissa de que qualquer um de nós é artista e que tem, em potência, uma expressão artística dentro de si.


E o que quisemos representar, exatamente neste programa, é essa diversidade, essa profundidade, essa força desde aquilo que é o pensar contemporâneo, mas também o revisitar a história da arte com figuras como o Sergio Godinho, com figuras como a própria Coltrane. Mas sempre olhando para a frente, ou seja, é um programa que tenta empurrar aquilo que nós consideramos a construção da sociedade para o futuro entre aquilo que são manifestações de diversos públicos e, portanto, foi muito por aqui que quisemos desenvolver este programa tão intenso.



O Rui chegou a falar que o CCVF realmente mudou o território de Guimarães. Como que isso aconteceu?

Acho que a infraestrutura permitiu qualificar uma série de festivais que existiam, como o 'Guimarães Jazz', por exemplo, e os 'Festivais Gil Vicente', que vieram encontrar nesta infraestrutura uma condição logística para elevar a fasquia no que respeita à sua própria organização, à experiência artística que damos aos artistas e ao público. Essa foi a primeira base.


A segunda base foi o processo de diversificação e de introdução das novas tendências, da tendência contemporânea da arte, feita a partir daqui. Ou seja, o Vila Flor capacitou a possibilidade dos processos de criação se desencadearem também a partir de Guimarães.


Depois, possibilitou também o aparecimento de outras manifestações em formato festival, por exemplo, o 'Guidance', que se tornou também numa referência a nível nacional para a dança, e o 'West Way Lab', enquanto o veículo da música que possibilita também a internacionalização.


Ou seja, aquilo que o Centro Cultural Vila Flor fez não foi só mudar a paisagem de Guimarães, foi abrir caminho para uma série de manifestações e possibilidades, criação de carreira, criação de valor.


Depois, especificamente sobre aquilo que foi a incidência no território. Neste momento, temos na programação do Vila Flor uma ancoragem feita de relação com uma série de núcleos da cidade. Por exemplo, o Cineclube é o curador para o programa de cinema. A obra é em colaboração com a Asmav (Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense)e o Mucho Flow, as novas tendências também se passa aqui no Vila Flor. Temos também a Orquestra de Guimarães e há uma série de colaborações inscritas, no pensamento dos programas artísticos do Vila Flor, que têm estas parcerias que são muito claras na forma como possibilitam o desenvolvimento de projetos e como também a própria infraestrutura da oficina ajuda a que esses projetos se engrandeçam e se tornem definitivamente importantes no ecossistema da cidade.


Depois, há que dizê-lo que tudo isto possibilitou a fixação de algum modo dos artistas na cidade, encontrando infraestruturas, encontrando estímulos, encontrando modos de financiamento, inclusive, através das coproduções, através das residências artísticas e transformou definitivamente aquilo que é a relação que as pessoas têm com arte. Obviamente que também o ano 2012 foi nuclear para que essa experiência se expandisse a nível da cidade e do território, mas nunca mais Guimarães voltou a ser a mesma, no bom sentido. Portanto, há aqui uma série de coisas que, entretanto, foram crescendo também, que não nos deixam indiferentes e que nos fazem também ser responsáveis e exigentes no caminho a si.


Portanto, há aqui uma série de manifestações que não teria sido possível que se tivessem desenvolvido sem o Centro Cultural Vila Flor.



Qual foi a influência da Capital Europeia da Cultura, em 2012, no Centro Cultural Vila Flora e do CCVF em toda a programação voltada para esta data?

Nós, o que sentimos de algum modo é que a capital europeia da cultura beneficiou do facto de ter uma infraestrutura já desenvolvida, que é o Centro Cultural Vila Flor, que foi um dos corações, uma parte operacional da programação e também o facto de ter uma equipa experiente ao operar que é equipa da oficina que depois se ligou com a equipa que vai fazer a capital europeia da cultura.


E, portanto, nesse contexto possibilitou que muitas das coisas eventualmente arriscadas que pudessem vir a ser feitas estivessem já um bocadinho mais desenvolvidas e amparadas num processo logístico que deu resposta. Depois o contrário também foi interessante porque fizemos passar pelo Centro Cultural Vila Flora nomes absolutamente universais e indiscutíveis Laurie Anderson, Kim Gordon, Donald Thurston Moore.


E, portanto, isso fez com que de algum modo o processo de conhecimento da cidade na relação com quem vem de fora ajudasse-se a que tudo se desencadeasse do melhor modo e que tivéssemos tido uma articulação muito boa. E claro, houve aqui lembrar também que o própria 'Guidance' nasceu na antecâmara da capital europeia da cultura, portanto, foi um festival que foi lançado no ano anterior à capital já com essa intenção de crescer no ano da capital e depois de fixar, para seguir. Portanto, essa é uma das manifestações desde logo que nós encontramos de um poder imaterial que a capital trouxe para a cidade, que é o facto de o 'Guidance' se ter desenvolvido, tal como o 'Westway', que acontece em 2014, que é uma espécie de pós-capital, mas que é influenciada por essa vontade da cidade de continuar a produzir novas coisas.


Foi uma experiência muito intensa e a partir desse processo, jamais as coisas poderiam voltar para trás porque houve todo esse conhecimento que foi ficando e que faz com que a cidade seja exigente consigo própria e de uma forma como se desenvolve como pensa, como questiona e como continua a participar nos modos de intervenção através da arte na construção da sociedade porque hoje diria a própria forma como pensamos as programações aqui é muito distinta do que era há dez anos.



Qual o papel da oficina e a responsabilidade na gestão do CCVF ?

Este é um equipamento nuclear que, por vezes também, tem uma precessão de que ele tem uma ocupação muito intensa, quase 98%.  Quando eu digo isto falta também de atividade que não está relacionada com a programação direta, mas que tem uma ocupação de alugueres, portanto a primeiro ponto tem que ver com uma grande capacidade de gestão da ocupação do equipamento que é muito intensa, portanto este é o primeiro foco da responsabilidade o foco da gestão.


É entender como é que nós estamos abertos ao próprio desenvolvimento do ecossistema da cidade. Ou seja, entendendo que há determinados tipos de manifestações e de eventos que só podem ter lugar aqui pelas questões técnicas


Portanto a nossa responsabilidade é ter essa sensibilidade de entender que tem de haver um diálogo permanente com o que surge e a forma como isso se pode integrar nas missões artísticas que nós desenvolvemos. Respondemos às políticas culturais de uma cidade que é contemporânea da linha da frente e que de algum modo quer também ser uma cidade de criação.


É uma permanente negociação a partir do que pensamos da base dos nossos programas com aquilo que ocorre no ecossistema do próprio concelho, sendo que a responsabilidade maior continua a ser pensar Guimarães enquanto cidade internacional de cultura. É essa a vibração que nós trazemos para que os artistas também se inspirem de algum modo a partir dessas vivência. 


Depois há aqui também uma componente do programa que cresceu na utilização do próprio Vila Flor que tem que ver com os formatos das programações que se foram alterando, nomeadamente, um exemplo do 'Bailar em Casa', que é uma ação espontânea de dança no palco do Grande Auditório portanto.


Isto é um sinal que o próprio equipamento se reinventa na forma de ser programado, de ser olhado, e essa é uma responsabilidade muito importante combatendo aquilo que muitas vezes se instala que esta ideia de elitismo do equipamento que fica aqui um cofre forte no cima da colina, já não é.


Como eu costumo afirmar muitas vezes para sintetizar o Centro Cultural Vila Flor não é uma ação de espetáculos, é um lugar de encontro, onde muitas coisas acontecem. É um lugar de relações, é um lugar de descobrimento é um lugar de experimentação e é isso que nós defendemos a partir do lugar de gestão da oficina na relação com o centro cultural.


E para os próximos 20 anos vamos dizer assim, continuar a ser uma metamorfose?

Eu tenho uma expressão recente sobre o que é A Oficina e sobre o que é o Centro Cultural Vila Flor. Para mim, são laboratórios artísticos e sociais. A arte não é jamais desvinculada da sua própria manifestação do seu tempo, aquilo que nos compete enquanto equipa da oficina, enquanto programadores, e toda outra equipa que nos acompanha é esse pensamento sobre a sociedade e essa manifestação do ar dos tempos em que a sociedade carrega. 

Este é um espaço de experimentação um espaço de espanto, de sonho, um espaço de possibilidades um espaço de resgate do futuro e também um espaço de memória. 


Trazer artistas que de algum modo foram altamente importantes nas tendências e não esquecê-los porque há ali uma longevidade que é preciso estudar também. Então, eu diria que os próximos 20 anos são anos de investimento nesse paradigma que queremos que aconteça em Guimarães que é a Guimarães enquanto cidade de criação, nesta ideia de que é criar mundo a partir daqui pensar o mundo a partir daqui.


Para isso, muitas vezes, é preciso encontrar processos que não sejam demasiado deterministas, processos que permitam essa respiração, essa orgânica e o aparecimento de coisas novas e inesperadas e portanto.


No fundo tem de ser um espaço aberto, apesar de físico, mas de circulação de ideias de discussão e de sobretudo de imaginação acho que tem que ser um sítio de imaginação.

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