Academia 29.03.2023 17H58
UMinho pode integrar apenas alguns dos investigadores que terminam contrato no próximo ano
Segundo o estudo desenvolvido pela UMinho, investigadores e docentes querem "o financiamento da carreira de investigação através do Orçamento de Estado, receitas próprias e projetos”. Reitor lamenta que as universidades não tenham "capacidade de determinação estratégica relativamente à atividade de investigação".
A Universidade do Minho terá possibilidade de integrar alguns dos cerca de 20 investigadores que no próximo ano terminam os seus contratos. A informação foi avançada, esta quarta-feira, pelo vice-reitor Eugénio Campos Ferreira, na apresentação do estudo “Perspetivas de carreiras para doutorados na Universidade do Minho.
Em 2018, a norma transitória do DL-57, no caso concreto da Universidade do Minho, originou a conversão de bolsas de pós-doutoramento para contratos de investigação de cerca de 120 investigadores. “Na mesma ocasião, um aviso para financiamento de projetos da Fundação para a Ciência e Tecnologia, inscrevia como obrigação a necessidade de contratar, em termos de incentivo aos contratos de trabalho para investigadores”, acrescentou o vice-reitor responsável pela pasta da Investigação na academia minhota. Estas imposições “fez escalar para três centenas os investigadores que foram recrutados”, com contratos a termo. Em relação aos contratos permanentes, a UMinho passou, em 2017, de um para os atuais 36.
“Certamente que as oportunidades dentro da Universidade não permitirão integrar a totalidade destes 20 investigadores que estão prestes a terminar o contrato”, começou por dizer. O regime fundacional permite a criação de carreiras e, nesse sentido, a instituição minhota prepara-se para avançar com a “carreira de gestores de ciência e tecnologia”, que, “em termos remuneratórios, terão um valor inicial superior àquilo que está a ser pago ao nível inicial de um investigador”. Aqui, abre-se uma janela de oportunidade para a integração de alguns doutorados, que estão afetos à norma transitória.
“Este ano, está em curso a revisão do Estatuto de Carreira do Docente Universitário, e certamente que será também revisto o já velho regulamento da carreira de investigação científica de 1999, podendo, mesmo temporalmente, o docente ter uma maior dedicação à investigação, permitindo que os docentes, com perfil mais investigador, sejam enquadrados para essa carreira”, acrescentou.
“A academia, seja a UMinho seja a nível nacional, não terá capacidade para integrar o conjunto de investigadores em número bastante considerável, mas, em termos de instrumentos disponíveis, temos, através de financiamento da FCT, os laboratórios associados, que têm a obrigação de recrutar para a carreira, a tempo indeterminado, um rácio que é 10% do número de investigadores integrados e, na UMinho, temos vários laboratórios associados que estão a recrutar. Temos também o SEEC Institucional, também financiado pela FCT, que já existia para integrar docentes, mas não era muito atrativo para as universidades, uma vez que só financiava 50% do custo do docente, mas isso vai ser revisto e vai permitir pagar 100% pelo que também, por essa via, seja na carreira de investigação, seja na carreira docente, vai haver a possibilidade, e penso que haverá números crescentes e financiamento crescente para o SEC Institucional, para que as universidades integrem docentes e investigadores”, adiantou.
Ainda assim, Eugénio Campos Ferreira desafia os investigadores a “procurar oportunidades fora da academia, seja por via do seu ecossistema de inovação, nas interfaces, nos centros de tecnologia e inovação, nos laboratórios colaborativos, nas spin-offs, nas agendas do PRR, ou nas empresas”.
Nuno Cerca, um dos responsáveis pelo estudo, revelou que o antigo ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, considerando que deverá ser também a visão da atual ministra, dizia que a situação destes investigadores “não é um problema, porque, dos cerca de cinco mil doutores com contratos temporários em Portugal, temos, até 2025, cerca de cinco mil docentes que se vão reformar”. No entanto, alerta, “as pessoas que se vão reformar estão em áreas distintas dos investigadores com contratos temporários”.
Na UMinho, se esta substituição até poderia funcionar na Escola de Letras, Arte e Ciências Humanas, uma vez que tem nove investigadores com contratos a termo e, até 2025 há dez docentes que se vão reformar, na Escola de Medicina ou no I3Bs, o número de reformados vai ser zero e estamos a falar de 55 investigadores a termo.
Investigadores querem criação de carreiras técnicas de apoio à ciência ou integração dos investigadores juniores na carreira de investigação
Segundo o estudo desenvolvido pela UMinho, 95% dos investigadores e professores inquiridos “concorda que a carreira de investigação como existe está obsoleta”, sendo necessária “uma revisão legislativa”. “Cerca de 91% dos investigadores concorda que a posição do investigador doutorado, que não queira seguir a carreira clássica de investigador responsável de equipas, com criação de carreiras próprias para apoio à ciência e com possibilidade de progressão na carreira, seria algo bastante importante. Os professores também concordam com isso, mas a maior parte deles preferia incluir a posição de investigador júnior na carreira”, realçou Nuno Cerca. Além disso, “entre 94% e 80%, considera que essas carreiras devem garantir funções de gestor de ciência, comunicação de ciência ou técnico laboratorial”.
Os diretores dos centros de investigação consideram “absolutamente essencial ter investigadores doutorados que são membros de uma equipa de investigação”.
Já o financiamento da carreira de investigação tem que ser feito, segundo os docentes e investigadores inquiridos, “com base semelhante à do financiamento da carreira dos docentes, ou seja, parte do Orçamento de Estado, receitas próprias e projetos”.
A maioria dos investigadores diz-se satisfeito com as condições de trabalho na UMinho, ao nível das bibliotecas, laboratórios, salas de reuniões ou apoio técnico”, embora os docentes não apontem para níveis tão elevados de satisfação.
A carreira de investigação está regulada desde 1999, pelo o Decreto-Lei nº 124, e, entre 1996 e 2020, Portugal aumentou, em cerca de 10 vezes, a sua capacidade de produção científica.
“Entre 1998 e 2016, o número de doutorados aumentaram, mas quem queria ser doutor em 1998 tinha 70% de hipótese de conseguir e quem quer trabalhar como doutorado atualmente tem uma taxa de sucesso de 8%. Isto é dramático”, evidenciou Nuno Cerca.
O estudo permitiu ainda perceber que “75% dos inquiridos são investigadores auxiliares ou juniores, ou seja, na base da carreira, e apenas 10% destes investigadores têm contratos permanentes”. Já no caso dos docentes, 72% têm contratos permanentes.
Reitor apela ao debate sobre “financiamento para suporte à investigação e revisão do estatuto da carreira de investigação”
O reitor Rui Vieira de Castro espera que este estudo seja “o ponto de partida para um debate dentro da nossa instituição sobre o sistema científico”. A revisão do Estatuto da Carreira Docente, que deverá incluir a revisão do Estatuto da Carreira de Investigação, deverá arrastar-se para 2024, apontou o responsável.
As carreiras paralelas, acrescentou, “devem ser também ponderadas, não apenas como oportunidade para resolvermos um problema, mas como uma oportunidade real para a universidade estruturar de forma mais sólida o seu sistema científico”.
A introdução de um novo patamar que corresponderia genericamente a investigadores sem responsabilidades de direção de investigação é outro dos aspetos que o reitor pretende ver discutidos.
“As universidades, hoje, são financiadas via Orçamento do Estado pela sua atividade de educação e por aquilo que são as massas salariais que lhes competem, mas não têm capacidade de determinação estratégica relativamente à atividade de investigação, não podem tomar decisões na esfera científica que deem expressão àquilo que é o seu projeto próprio e não apenas às opções tomadas fundamentalmente ao nível das agências de financiamento ou da própria tutela”, criticou Rui Vieira de Castro, defendendo que “algum do financiamento que está objetivamente a financiar a atividade das instituições diretamente, através do financiamento dos próprios investigadores, possa ser transferido para as universidades”.
O reitor garante que “a Universidade do Minho está empenhada em ajudar, através da criação de carreiras”. “Vamos fazendo um esforço dentro daquilo que são as nossas limitações. Agora, é preciso a afirmação de posições sobre estas matérias. Eu esperaria que daqui resultassem pelo menos duas coisas: a necessidade de se repensar o financiamento das instituições, no que diz respeito a componentes específicas para suporte à atividade de investigação, e a necessidade de rapidamente se rever o estatuto da carreira de investigação”.
O documento, que pode consultar aqui, será agora enviado à ministra do Ensino Superior, Elvira Fortunato.